Publicado em 18/10/2013 às 14:40, Atualizado em 13/09/2024 às 19:15
Na rua 11 de Setembro, região do bairro São Bento, uma casa simpática, bem característica de avós. Portão baixinho, jardim à frente e no pergolado coberto de flores, uma placa anunciando um serviço não muito comum em Campo Grande. Fabrica-se e conserta-se rede.
Para entrar é só bater palma. Mas não precisa nem esperar, o casal está fazendo a propaganda do negócio, deitados na rede na varanda, ao som de um radinho ligado na AM. Porque FM é para jovem, responde o dono da casa.
Aos 84 anos, seo Mário Venâncio Nantes conserta e fabrica redes. No primeiro contato ele já revela não enxergo, mas vou trançando. Eu faço o punho e ela costura na máquina, aponta para a esposa, Vaudília Lopes Nantes, também de 84 anos.
Um glaucoma foi lhe tirando a visão ao longo dos últimos 20 anos. E da profissão de carpinteiro e pedreiro em fazenda, ele passou a sentar na cadeira de marceneiro e trançar as alças que dão sustento ao balanço da rede.
Há 60 anos ele mora na mesma casa. Desde que tirou dona Vaudília da Enfermagem e a levou para trabalhar na terra. Nascido na região do Capão Seco, próximo a Sidrolândia, ele passou 22 anos da vida trabalhando para o mesmo patrão. Américo Inácio de Souza, diz. O nome ele faz questão de citar.
Quando ainda enxergava pela vista esquerda, porque a vizinha já havia escurecido, ele começou as primeiras trançadas. Chegou a operar em São Paulo, mas não adiantou. Aposentado pela doença, porque por idade, já podia desfrutar de não fazer nada há muito tempo, de 10 anos para cá é que seo Mário começou a lidar com o troço de rede, como nomeia.
E eu gosto né. De ficar na rede. Essa minha é dia e noite, quando não sou eu, é ela que estava deitada, e se volta novamente para a esposa. Talvez pela convivência de mais de seis décadas ou por enxergar com o coração é que ele saiba, sem ver nada, em que direção dona Vaudília está sentada.
Sobre o aprendizado na rede, ele fala que foi uma coisa simples, fruto das atividades que sempre realizou na vida. Tinha um punho arrebentado e eu ia logo fazendo, arrumando. Estou fazendo até hoje. Se eu vendo? Barato, mas vendo, afirma.
Aos poucos o povo foi trazendo uma, duas... E de consertos, o serviço virou passatempo.
Para trocar punho é R$ 40, mas quando as alças estragam, cobro R$ 50. Dá mais trabalho, porque tem que desmanchar tudo, mas a rede fica nova. Ponho bem puxada para não arrebentar não, garante.
O trabalho é feito todo no tato. Ele senta na cadeira de marceneiro e traz às pernas um pedaço de caibro. Um prego de cada lado e o movimentar das mãos, desenham as tranças que compõem a rede.
A gente faz e já tem prática, Mas é chato, um trabalho difícil, tudo na mão. Sem ver nada. Quando eu estou parado, estou fazendo cordão. É que nem a idade nem a perda da visão lhe tiraram a vontade de se ocupar.
Eu não conheço quem faça rede aqui e nem uma pessoa que inventou de consertar, de fazer isso que eu faço. É um passatempo, porque dinheiro não ganha não e já emenda uma risada.
As redes saem a R$ 70 e dentro dos padrões, medem 2,5m de comprimento e 1,5m de largura.
Papo vai, papo vem, o seo Mário é tão animado que a gente se esquece da visão. Tem gente que perde e fica doente. Mas de acordo com a natureza a gente vai se inventando. Se é vontade de Deus, você não vai contrariar não é? A minha vida foi boa, vida de pobre, mas vida boa. Com saúde, finaliza.
A placa de fabrica-se e conserta-se rede está na rua 11 de Setembro, 140. O telefone do seo Mário é o 3325-1225. Ele atende de prontidão. O aparelho carrega feito celular, no bolso da camisa.