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Pastor afirma que “não conhece autismo” e associa transtorno a “espirito maligno” durante pregação

“Meu avô morreu com 94 anos e nunca ouviu isso” disse o pastor

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Pastor Pio de Carvalho - Reprodução

O Pastor Pio de Carvalho, líder da Igreja Comunhão Cristã Abba, gerou polêmica durante uma pregação recente ao afirmar que o autismo “não existe” e associar o transtorno a uma “obra do maligno”. 

A fala, que ocorreu em um culto transmitido ao vivo, provocou indignação nas redes sociais, especialmente entre familiares e profissionais que lidam com o espectro autista.

Durante a pregação, o pastor compartilhou uma conversa que teve com uma mulher especializada no atendimento a crianças autistas. Ele ironizou a profissional ao dizer que nunca havia ouvido falar em autismo, citando o fato de seu avô ter vivido até os 94 anos sem conhecer o termo. “Meu avô morreu com 94 anos e nunca ouviu isso”, comentou, desqualificando a existência do transtorno e o conhecimento científico sobre o tema.

Em seguida, o pastor Pio sugeriu que a solução para lidar com o autismo seria espiritual, pedindo aos professores que orassem pelas crianças e expulsassem o que chamou de “espírito maligno”. “Põe a mão na cabeça dela e diz: ‘Eu te abençoo em nome de Jesus Cristo. Espírito maligno, sai dele agora’”, afirmou o pastor, contando que, após três meses, algumas crianças teriam melhorado drasticamente, sugerindo que isso seria um resultado da intervenção espiritual.

A fala do pastor gerou forte reação nas redes sociais, com muitas pessoas criticando a abordagem que desconsidera a ciência e o tratamento adequado para pessoas com autismo.

O QUE AUTISMO ? 

O termo transtorno do espectro autista (TEA), anteriormente conhecido como autismo, abrange diversos transtornos do neurodesenvolvimento e apresenta como característica central prejuízos na comunicação social e padrões de comportamentos restritos e repetitivos.

Em 1943, o psiquiatra norte-americano Leo Kanner, descreveu pela primeira vez o autismo ao analisar 11 crianças, apontando como característica fundamental do transtorno “a incapacidade de se relacionarem de uma forma normal com as pessoas e as situações do início da vida”. Logo após, em 1944, Hans Asperger, na Áustria, descreveu outros casos semelhantes em crianças.

A inclusão formal em manuais diagnósticos, no entanto, ocorreu apenas a partir do Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders (DSM III), publicado pela American Psychiatric Association, em 1980. E 1994, no DSM-IV, foi criada a categoria Síndrome de Asperger, uma das formas mais leves de autismo.

Por fim, no DSM-V, em 2013, após diversos debates acerca das particularidades e semelhanças dos quadros de autismo, passa-se a adotar a nomenclatura de Transtornos do Espectro Autista para englobar as diversas manifestações possíveis em um único transtorno de amplo espectro.

O que causa o transtorno do espectro autista?

O transtorno do espectro autista é uma condição complexa que não tem uma única causa. Vários fatores, incluindo genéticos e ambientais, contribuem para o seu desenvolvimento.

Fatores genéticos

A origem do TEA ainda não é totalmente compreendida. O consenso atual é de que o autismo seja causado por fatores genéticos que alteram o desenvolvimento do cérebro, especificamente a conectividade neural, afetando o desenvolvimento da comunicação social e levando a interesses restritos e comportamentos repetitivos. Esse consenso é apoiado pela “teoria epigenética”, na qual um gene anormal é “ligado” no início do desenvolvimento fetal, afetando a expressão de outros genes sem alterar sua sequência primária de DNA.

Um aspecto curioso da genética do autismo é a existência de um fator protetor no sexo feminino. Pesquisas indicam que para desenvolver o Transtorno do espectro autista, meninas geralmente requerem uma influência genética mais forte ou variantes genéticas mais impactantes em comparação com os meninos. Esta descoberta ajuda a explicar a diferença observada na prevalência do TEA entre os gêneros: há atualmente cerca de 3 a 4 vezes mais casos diagnosticados de autismo em meninos do que em meninas.

Algumas doenças genéticas estão mais relacionadas com o autismo, tais como a síndrome do X-frágil (doença genética que causa deficiência intelectual, problemas comportamentais e características físicas particulares. É causada por uma mutação no gene FMR1, localizado no cromossomo X) e a esclerose tuberosa (doença genética rara que provoca o crescimento de tumores benignos em diferentes partes do corpo, como cérebro, pele, olhos, coração, rins e pulmões).

Estudos em gêmeos sugerem que a genética desempenha um papel importante no autismo, estimando-se que cerca de 50 a 80% do risco vem de genes herdados dos pais. Por isso, é importante que os médicos investiguem a história familiar e busquem sinais de condições relacionadas durante os exames. Cada vez mais se destaca a importância da presença de um geneticista na equipe multidisciplinar, assim como da avaliação da viabilidade e custo-benefício da solicitação de exames genéticos específicos.

Em resumo, a ideia de que a genética tem um papel importante no desenvolvimento do autismo é reforçada por várias observações. Primeiro, há mais homens do que mulheres com autismo. Segundo, irmãos de pessoas com autismo têm maior chance de também ter o transtorno. Terceiro, gêmeos idênticos (monozigóticos) têm uma alta probabilidade de ambos terem autismo se um deles tem. Quarto, quanto mais próxima é a relação genética entre familiares, maior é o risco de autismo.

Um estudo grande sueco de 2014 mostrou que até os 20 anos, o risco de ter autismo é de aproximadamente 3% para primos, 7% para meio-irmãos por parte de pai, 9% para meio-irmãos por parte de mãe, 13% para irmãos completos e gêmeos fraternos (dizigóticos), e 59% para gêmeos idênticos.

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