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Pistoleiro chora de remorso e alvo é recebido por chefão: a morte trágica de Matheus Xavier

Capitão da PM esteve ligado ao grupo criminoso que matou seu filho por engano.

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Rapaz estava tirando caminhonete do pai da garagem

Abalado pela morte trágica do filho de 18 anos, Paulo Roberto Machado Xavier recebeu a visita de um colega da Polícia Civil no dia seguinte ao crime. Xavier não dormia desde o dia anterior e ainda não conseguia cuidar dos detalhes do velório. O filho foi alvejado por tiros de fuzil ao retirar a camionete do pai da garagem. Naquele dia, Xavier resolveu sair com o carro do filho e pediu que Matheus tirasse a camionete da garagem, para liberar o pequeno Ford Ka.

Os pistoleiros não conseguiram distinguir o motorista da S-10 e dispararam contra o jovem, fugindo em seguida. Desesperado, Xavier saiu com a camionete com o filho para o hospital. Ele já chegou sem vida.

Ainda buscando achar quem seria o mandante do crime, avaliando seus possíveis desafetos, desde quando era comandante do policiamento da área central de Campo Grande, em 2001, ou quando esteve envolvido com a máfia dos caça-níqueis, em 2009, passando ainda por transações imobiliárias envolvendo propriedades rurais e um advogado milionário, Xavier não conseguia traçar uma linha de investigação.

Sua atividade sempre foi ligada à logística. Quando cuidou do patrulhamento do centro da Capital, mantinha a ordem com atenção aos detalhes. Em várias ocasiões cuidou pessoalmente da apreensão de máquinas caça-níqueis, febre no início dos anos 2000 e contravenção favorita dos envolvidos no Jogo do Bicho.

“O Guri quer falar com você”, avisou o policial civil Vladenilson Olmedo, o Vlad. Eles se conhecem há dez anos, quando Vlad se aproximou de Xavier com a mesma fala: “O Guri quer falar com você”. O Guri é Jamil Name Filho. Na primeira ocasião, o capitão havia acabado de sair da cadeia. Com dificuldades financeiras, filhos e sem contatos, Xavier precisava de uma oportunidade para se reerguer. Vlad lhe oferecia trabalhar como segurança de Jamil Filho, herdeiro do Jogo do Bicho em Campo Grande.

O esquema dos jogos era o que havia levado Xavier para a prisão. Preso em 2009 na Operação Xeque-Mate, da Polícia Federal, junto com outros policiais liderados pelo “Major Carvalho”, ele foi considerado o “gerente de logística e segurança” do grupo, cuidando do funcionamento de diversos cassinos. Ficou preso por três anos e não abriu o bico, assumiu sua pena. Jamilzinho foi preso na mesma operação, o pai Jamil Name foi levado para prestar depoimento.

Por estas ligações, pensou Xavier, não teria sido o motivo dos sicários terem vindo lhe matar. Apesar de outro colega da época da jogatina, Andrey Galileu Cunha, ter sido executado à luz do dia por brigas no submundo do jogo ilegal, Xavier não tinha mais contato com as máquinas.

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(Matheus morreu no lugar do pai)

Voltou no tempo, a 1999, quando servia em Miranda. Por lá, conheceu os coreanos do “Reverendo Moon”, que estava comprando fazendas em todo o Estado. Nestas negociações, usavam advogados com procurações para agilizar o processo. Um deles, Antônio Augusto de Souza Coelho começou a diversificar as aquisições e realizou trocas e permutas, irritando os coreanos, que cassaram sua procuração. Xavier havia ficado amigo do advogado e tinham negócios juntos. Novamente os Name cruzaram seu caminho, Augusto fez algumas negociações com a família e estavam com litígio envolvendo uma grande fazenda, a Figueira.

“Eu vou no meu carro”, respondeu Xavier, que já conhecia o jeito do ex-patrão e imaginava a conversa. Em 2013, ele foi segurança de Jamilzinho. Na primeira semana do novo bico, acreditou que seria um trabalho fácil. Levar em barbearias, dirigir e buscar o Guri pela cidade. Em uma noite, foi chamado para acompanhar o patrão em uma boate, recusando por estar com problemas em casa e na companhia dos filhos. O patrão insistiu tanto, que ele deixou os filhos e partiu para a Valley com Jamilzinho. Percebeu que os outros seguranças inventavam mil razões para não acompanhar o filho de Name em eventos noturnos.

“Sempre arranjava confusão”, lembrou. Em menos de uma hora na boate, um cara grande, boa pinta, pegou alguns gelos que estavam no balde de uísque de Jamilzinho. O confisco gerou a ira dele. Partiu para cima do grandalhão, que sem dar muita atenção o empurrou pelo rosto. Antes que virasse uma briga maior, foram separados. Jamil Filho levantou os dados do agressor, Marcel Colombo, e aguardou por cinco anos sua vingança. No dia 18 de outubro, Marcel foi assassinado enquanto bebia com funcionários e contava histórias. Morreu sentado na frente de um copo com uísque.

Xavier dirigia para o encontro com Jamilzinho lembrando de outra coisa estranha. Há alguns dias recebeu uma mensagem no WhatsApp pedindo R$ 5 mil. Já acostumado com estórias de golpes e piadas, ignorou as mensagens. A pessoa resolveu ligar para ele e, fazendo uma imitação grotesca de voz feminina, disse que havia sido contratado para rastreá-lo em “tempo real”. Como os contratantes não cumpriram o combinado, ele o avisava dos planos e queria receber cinco mil por isto. Xavier desligou e não deu atenção.

O encontro com Jamil Filho foi direto. Nada de lamentos e pedidos de pêsames. O Guri avisou que pagaria Xavier e que iria lhe ajudar a sair da cidade. Ele devia ficar longe de Campo Grande por dois anos. A notícia tirou Xavier do torpe em que estava, sem fazer mudar sua reação, que ficou a mesma de quando entrou. Sabia que qualquer reação podia resultar em ação imprevista, observando a disposição dos seguranças de Jamil na sala e percebendo que Vlad estava em um canto distante, mas que fechava um círculo ao seu redor.

Jamil continuou dizendo que sabia que era difícil, que o jogo deles era assim, que o melhor era ele sair sem falar com ninguém, incluindo a família e, principalmente, a polícia. Os seguranças voltaram a se mexer. O capitão reformado tenta observar todos e tomar alguma posição defensiva. Não estava armado e aquela não foi a primeira vez que se viu rodeado.

Em 13 de agosto de 2015 estava em Bom Jardim, no Maranhão, descansando em um quarto de hotel quando foi chamado à recepção. Antes de chegar ao local, percebeu viaturas da polícia militar maranhense cercando o hotel. Recebeu voz de prisão por fatos que ainda estão sendo apurados. Foi flagrado tirando fotos da fachada de uma agência do Banco do Brasil na cidade. Sua situação se complicou quando os colegas maranhenses encontraram uma pistola não registrada e a camionete com placa adulterada. Após um tempo detido, conseguiu sair sem pagar fiança e se explicar ao Comando da PM. Estava em licença médica e proibido de portar armas e dirigir, coisas que fez ao sair de Campo Grande rumo ao Maranhão, para fotografar a agência bancária.

Antes que pudesse pensar se a proposta de Jamil seria discutida, foi convidado a se retirar. Saiu sem ouvir Vlad falando que ele cuidaria de sua “pensão”.

No caminho de volta para a casa, já havia recebido diversas mensagens avisando que o corpo do filho seria liberado para o velório, achou o número da “mulher” que queria cinco mil para salvar sua vida.

“Alô”

“Oi”

A conversa foi breve e Xavier notou que o interlocutor estava com medo. Conseguiu o número de quem o havia contratado para levantar seus dados. A memória também conseguiu resgatar a imagem de um homem em um Onyx branco, na rua de sua casa, dois dias antes do assassinato. Já tinha visto aquele rosto antes. José Moreira Freixes, o Zezinho. Condenado pela morte do delegado Paulo Magalhães, em 2013, e que também circulava o meio do jogo do bicho.

Xavier já não precisava de lembranças ou de informações. Tudo se juntou naturalmente. Seu nome no WhatsApp aparece como “Lux et veritas”, luz e verdade. Seu filho estava morto. O chefão havia dito para sumir dois anos. O alvo era ele. O próprio algoz o recebeu um dia depois de tentar lhe matar. Era tudo ou nada. Iria levar tudo aquilo à delegacia de Homícidios.

Dias depois, a investigação passou ao Garras, que prendeu o Guarda Municipal com fuzis do mesmo calibre das execuções. O Gaeco foi acionado e a Operação Omertá (código de mafiosos italianos que determina o silencio absoluto) teve início.

EPÍLOGO

No mesmo dia do velório de Xavier, outro envolvido na organização criminosa, Juanil Miranda Lima, encontrou sua filha da mesma idade de Mateus. Ela notou que ele estava triste e desanimado.

“O que foi pai?”.

A filha e Juanil viviam grudados. Dias antes, ele havia passado na rua onde Xavier morava e tentava alcançar o celular para filmar o local. “Pega esse suporte aí para o pai”, pediu e colocou o celular no suporte, para filmar sem deixar o volante. Passou várias vezes em frente à casa do capitão.

“Poxa, dezoito anos que você tem, né papai?”, disse Juanil à filha. “E o menino (Matheus) dezenove, né?”. E começou a chorar. Depois desse dia, Juanil desapareceu. Ele é investigado pela morte de Matheus e de pertencer ao time de pistoleiros do crime organizado da jogatina de Campo Grande

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