A mais nova crise entre os Poderes da República foi desencadeada por uma decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Presidente da Primeira Turma da Corte, Zanin ignorou a deliberação recente da Câmara dos Deputados e manteve para esta sexta-feira (9) o início do julgamento sobre a continuidade da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), acusado em um inquérito sobre suposta tentativa de golpe de Estado.
A sessão, marcada para ocorrer de forma virtual até terça-feira (13), ocorre mesmo após a Câmara exercer uma prerrogativa constitucional clara: a de suspender ações penais contra seus membros, conforme previsto no artigo 53 da Constituição Federal. A medida foi aprovada pelo plenário na quarta-feira (7), com ampla maioria, após parecer do deputado Alfredo Gaspar (União-AL), relator da proposta apresentada pelo Partido Liberal.
A decisão do ministro Zanin, que já atuou como advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de ser nomeado ao STF, não apenas afronta a decisão da Câmara, como levanta um debate mais profundo: qual é o limite da atuação do Judiciário em relação às competências privativas do Legislativo?
O que diz a Constituição
O artigo 53 da Constituição é explícito: “Desde a expedição do diploma, os deputados e senadores não poderão ser responsabilizados civil ou penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.” E mais adiante, determina que a Câmara pode, por iniciativa de partido político, sustar o andamento de processos penais contra parlamentares por atos praticados no exercício do mandato.
Essa prerrogativa tem como objetivo proteger a independência do Parlamento — princípio fundamental do Estado Democrático de Direito. Ignorar essa previsão constitucional é, na prática, subverter a própria lógica do sistema de freios e contrapesos que equilibra os Poderes da República.
Silêncio eloquente
Na quinta-feira (8), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), formalizou a decisão da Casa em ofício enviado ao presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso. Nenhuma resposta oficial foi divulgada até o momento. Em vez disso, Zanin manteve o julgamento virtual, optando por conduzir o Supremo em rota direta de colisão com o Parlamento.
O gesto de Zanin pode ser interpretado como um recado institucional: para o STF, a palavra da Câmara é apenas sugestiva — não vinculante. O ministro, ao colocar em julgamento a suspensão da ação penal contra Ramagem, assume o papel de revisor da vontade de outro Poder, algo que contraria o próprio espírito da separação entre Legislativo e Judiciário.
Uma crise constitucional anunciada
Críticos apontam que a atitude do ministro abre um perigoso precedente: o de um Supremo que decide quando a Constituição vale — e quando pode ser relativizada. Na prática, o que está em jogo não é apenas o destino do deputado Alexandre Ramagem, mas o equilíbrio entre os Poderes da República.
A proposta aprovada na Câmara deixa claro que o processo deve ser sustado enquanto durar o mandato do parlamentar. Ao insistir em julgar a continuidade da ação, Zanin e o STF colocam em dúvida a validade de uma prerrogativa constitucional legítima, e sugerem que a Corte pode, eventualmente, ignorar o texto da Constituição sempre que considerar o contexto politicamente “inconveniente”.
Mais que uma disputa jurídica, um embate institucional
Independentemente da posição que se tenha sobre Ramagem ou sobre as investigações em curso, a decisão de Zanin configura uma afronta direta à autonomia do Parlamento. Trata-se de uma judicialização da política que enfraquece a própria democracia ao transformar o Supremo em um Poder com capacidade de veto à atuação legítima do Legislativo.
Quando ministros do STF decidem reinterpretar ou ignorar o que está expressamente previsto na Constituição, o Estado de Direito deixa de ser uma garantia universal e se transforma em um conjunto de normas sujeitas ao humor dos tribunais. O que deveria ser exceção torna-se rotina — e a democracia, refém de decisões monocráticas.
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