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Empresária de Sidrolândia é uma das herdeiras de inventário milionário que tramita há 17 anos e pode expor crise no Judiciário de MS

Disputa por fazenda de 1.452 hectares envolve filhos, viúva, denúncias de favorecimento, decisão polêmica da Justiça e possível afronta a direitos constitucionais.

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Sede da Fazenda Garça, em Dourados - Divulgação

Uma pequena empresária e moradora de Sidrolândia figura entre os herdeiros de um inventário milionário que já tramita há 17 anos na Justiça e pode se transformar em mais um caso emblemático de possível violação de direitos no âmbito do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul. 

A disputa gira em torno do espólio do empresário Massatoschi Kussumoto, falecido em 2007, e inclui uma fazenda de 1.452 hectares localizada no distrito de Itahum, em Dourados, além de casas, terrenos e veículos.

O processo teve início na 1ª Vara Cível da comarca de Dourados um mês após a morte do empresário, ocorrida em 31 de outubro de 2007, aos 71 anos, em decorrência de parada cardiorrespiratória, insuficiência renal e agravamento do diabetes.

A herança é disputada pelos quatro filhos do primeiro casamento de Massatoschi — ocorrido em 1961 e encerrado em 1982 com a morte da esposa — e pela mulher com quem ele passou a conviver após a viuvez. A união com a nova companheira teria começado, segundo relatos divergentes, em 1982 ou 1986 — ponto central da controvérsia judicial.

Segundo informações do processo, após a filha caçula deixar a casa para estudar no interior de São Paulo em 1986, o empresário, então com 51 anos, iniciou relacionamento com uma jovem de 22. Eles tiveram um filho em janeiro de 1988. Representada por um escritório com sede em Dourados, a viúva declarou à Justiça que a união estável teve início em 1986 — declaração que reiterou formalmente em 2009.

Ela chegou a propor um acordo de partilha: 150 alqueires da fazenda para si e 90 alqueires para cada um dos cinco herdeiros (os quatro filhos do primeiro casamento e o filho em comum com o empresário). No entanto, segundo os herdeiros, esse acordo nunca foi cumprido.

Testamento e dúvidas sobre autenticidade

O escritório que representa a convivente apresentou à Justiça um testamento assinado por Massatoschi e redigido por um advogado conhecido em Dourados e falecido por Covid-19 em 2021 — no qual ele teria reconhecido a união estável desde 1982. Entretanto, um dos familiares contesta essa versão. De acordo com ele, a Fazenda Garça, principal bem do inventário, teria sido trocada em 1984 por uma propriedade em Porto Murtinho, ou seja, antes do suposto início da união estável com a nova companheira.

O processo inicialmente foi conduzido pelo juiz Eduardo Machado Rocha, que deixou o caso ao ser promovido a desembargador. Em seguida, a juíza Ana Carolina Farah Borges da Silva assumiu a causa. A convivente atuou como inventariante até 2014, quando foi afastada sob suspeita de desvio de bens e valores — o que motivou a abertura de uma ação de prestação de contas. O segundo filho do empresário, Mário, foi nomeado inventariante no mesmo ano.

Ele apresentou petição explicando por que não houve contestação imediata ao testamento e reforçando que, com a morte da primeira esposa, em 1982, os filhos — embora ainda menores de idade — já detinham direito adquirido sobre parte da herança. Segundo ele, essa fração deveria ter sido automaticamente transmitida aos filhos e não incorporada ao patrimônio do pai, já que não se trata de mera expectativa, mas de um direito intertemporal líquido e exigível.

A defesa dos herdeiros argumenta ainda que, para que a convivente tivesse direito à meação, seria necessário comprovar contribuição efetiva na aquisição da fazenda, conforme a Súmula 380 do STF. Além disso, a matrícula do imóvel registraria exclusivamente o empresário como proprietário legítimo.

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Placas da entrada da Fazenda Garça - Foto SN

Decisão polêmica e denúncia à PF

Apesar dos argumentos, a juíza Ana Carolina decidiu, em 22 de abril de 2019, reconhecer a união estável desde 1982, baseando-se no testamento apresentado. A decisão conferiu à convivente o direito à meação, incluindo patrimônio adquirido pouco tempo após o falecimento da primeira esposa — o que, segundo a defesa dos herdeiros, violaria o artigo 1.523 do Código Civil, que impede novo casamento (ou união estável) antes da partilha dos bens com os filhos do cônjuge falecido.

A sentença foi mantida por unanimidade pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Os herdeiros alegam que a decisão fere direitos constitucionais, entre eles o direito adquirido, garantido pelo artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que protege atos jurídicos perfeitos e impede que sentenças ou leis posteriores invalidem situações consolidadas no tempo.

Em meio a essas controvérsias, o inventariante denunciou o caso à Polícia Federal e à OAB. A denúncia foi motivada pela Operação Ultima Ratio, deflagrada pela PF no ano passado para investigar possíveis esquemas de venda de sentenças judiciais no âmbito do Tribunal de Justiça de MS.

Agora, na fase de partilha dos bens, os herdeiros — incluindo a empresária de Sidrolândia — esperam que seus direitos garantidos pela Constituição de 1988 sejam respeitados e que o processo tenha um desfecho justo e imparcial.

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